quinta-feira, 17 de outubro de 2024

OSEIAS ( CAPÍTULO 1)

 




    NOTA DO NARRADOR.


… Não me considero a pessoa ideal para contar essa história. Sou um sacerdote e não um narrador, porém, dadas as circunstâncias, o momento em que vivemos, crises políticas, pandemia, quarentena, extremismo, violência, enfim, eu não poderia deixar de lhes contar alguns pormenores da vida desse homem, da qual tenho especial afinidade 

   Este meu amigo é sem dúvidas um homem brilhante, político habilidoso, cristão sincero e com um coração enorme, porém, descobriu da pior forma que a fama e o declínio caminham juntas. 

   Nos conhecemos no seminário (Legionários de Cristo em Arujá), estávamos estudando para sermos padres. Ele abandonou o vocacionado antes de completar um ano, descobriu que não tinha vocação para uma vida de solidão, celibato, estudos e renúncias. Mudaria de religião pouco depois enquanto eu continuaria o caminho rumo ao sacerdócio.

   Cada um seguiu o que seu coração determinou.

   No entanto, jamais perdemos o contato um com o outro pelas voltas tão diferentes que as nossas vidas deu. O pouco tempo que convivemos no seminário foi o suficiente para se forjar uma amizade sólida, independente das diferenças, dogmas teológicos ou qualquer ideologia. Mesmo hoje ele praticando outra fé a nossa amizade permanece ainda mais forte, respeitamos a individualidade um do outro — coisa rara hoje em dia — em suas aflições ele me procura buscando conselhos, eu a ele nas minhas tribulações, nunca os neguei, ele nunca me negou. Eu sempre estive ao seu lado nos piores e melhores momentos.

   Por isso, essa é uma vida que vale uma história…



                         CAPÍTULO 1.

                       O CASAMENTO.


   Ao alvorecer, no esconder-se do astro que rege a vida de cada simples mortal, o dia foi se esquecendo lentamente, deitando-se por trás das belas montanhas da cidade de Ouro preto, pincelando as nuvens mineiras com vivas cores, salpicando o azul-celeste da cidade colonial da serra do espinhaço com tons rubros mesclados de laranja e amarelo em um aconchegante início de primavera. Bailarinas aves em voos rasantes de um lado para o outro, tal  como crianças brincando e correndo pelas ruas calcetadas íngremes e sinuosas da histórica vila Rica.

   Outras aves mais quietas figuravam na copa de frondosas e frutíferas árvores, outras no telhado da igreja nossa senhora do Carmo, cantavam em uma entonação vibrante, fazendo lembrar da canção do exílio de Gonçalves Dias. 

... Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá ...

   A mesa estava pronta, majestosa, repleta de incontáveis delícias de encher os olhos, enfeites dos mais admiráveis, cores cintilantes, apenas esperando o final da cerimônia. Os músicos todos enfileirados, com os seus suntuosos ternos pretos e gravatas borboletas, uma diversidade de instrumentos em perfeita harmonia. Rostos e sorrisos mascarados, emoções à flor da pele. 

… O que é a vida se não esse emaranhado de sentimentos se sobrepondo ao outro, atropelando-nos, levando-nos ao extremo de nossas forças. Neste jogo da vida somos apenas peças como em um tabuleiro de xadrez. Cada um com o seu valor e em sua respectiva posição, fazendo exatamente aquilo que lhe foi designado a fazer. Viver é uma aventura completa nesse novo tempo, esse novo mundo tão cheio de terror, medo, incerteza, vírus desconhecido. Muitas das vezes somos indefesos e não sabemos o que fazer. É um jogo complexo que só se vence sendo o mais simples possível. É estranho dizer isso, mas, a simplicidade é a maior e mais poderosa das armas, sempre engatilhada, pronta a disparar em corações despercebidos …

   Rostos e sorrisos cobertos por máscaras bonitas e coloridas.   

   A festa de casamento do senhor Oséias Fausto estava glamourosa. Uma aura de alegria era soprada em sonoras notas musicais, vieram todos os seus convivas, com suas resplandecentes vestes para tão importante ocasião. Oséias em seu infindo regozijo não cabia dentro de seu sorriso oculto, cantava risonho, dançava na alegria extravagante do seu coração. A noiva tão bela, com o seu longo vestido branco, desfilava com o buquê pelo jardim, estava tão encantadora quanto às rosas e tulipas que enfeitavam a festa, era invejada por cada curioso olhar dos especuladores.   

   Ao toque dos instrumentos iniciou-se a marcha nupcial, no altar, lágrimas vertiam aos olhos do senhor Fausto, o tão esperado dia que havia finalmente chegado à vida do promissor político, nem mesmo a crescente ameaça invisível e a crise política instaurada no parlamento impediu o planejamento de seu casório em sua terra natal.

   Todos os convidados de pronto se levantaram em aplausos entusiasmados, estavam pasmos com a beleza da noiva. Cantos, palmas, lágrimas, o vinho doce em sorridentes lábios, pétalas de tulipas e rosas eram espalhados adiante de seus passos. 

   Da noiva, havia poucos parentes no casamento. 

   De origem humilde, a maioria dos seus parentes e convidados não quiseram comparecer, disseram temer a contaminação, era o primórdio da pandemia. De Oséias, viva turba urbana, festeira, uns bebendo, já outros cambaleantes pelo salão de festa, sem se preocuparem com nada. Entre os dele, havia os que não queriam que o casamento acontecesse. Da integridade da moça eram esses mesmos tão desconfiados. Gomer não despertava tanta admiração entre os parentes do noivo, havia algo no passado da moça que os incomodava, algo que não poderia ser dito, não naquela ocasião tão importante.  Duvidoso e amargo passado na vida de Gomer que não agradava em nada alguns dos convidados do noivo, ainda sim, tanto mais amor Oséias lhe devotava em face de todo ódio contrário a ela, ele a amou profundamente desde quando a conheceu, resgatou-a de uma vida de prostituição e pecado. O casamento era uma nova oportunidade em sua vida, uma janela aberta a novas oportunidades, alguns não conseguiam acreditar em tal mudança da parte dela. Oséias estava convicto de sua conversão ao evangelho. Foi corajoso quando enfrentou toda a sua família em nome desse amor. Diziam que ele estava louco, fora si, porém, o seu amor parecia ser maior que tudo.   

   Os pensamentos de Oséias estavam nas lembranças do dia em que se conheceram na festa de um amigo.

( … Lá estava Gomer, embriagada, cantando e dançando para todos, ao vê-la, Oséias admirou-se de sua beleza, não acreditou que se tratava de uma prostituta, tão nova para viver uma vida de abusos. Foi amor à primeira vista, mesmo sabendo quem ela era, amou-a desde o primeiro momento, sendo desses sentimentos indescritíveis e inexplicáveis. Os amigos e familiares não acreditavam quando ele dizia que se casaria com aquela moça. Por fim, com muita insistência, a conquistou, para si próprio e para a igreja que frequentava ... )     

   Oséias estava a minutos de realizar o seu maior sonho.

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