domingo, 18 de setembro de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 



    ESSA CRÔNICA É SOBRE EU E VOCÊ.


  Nuvens carregadas roubam o azul celeste, o tom pesado se arrasta de uma extremidade a outra deixando a impressão de estar anoitecendo em pleno vigor do dia. O silêncio se faz presente, folga do trabalho, recolho-me na insignificância do meu ser. Minha mente fica em profundas divagações, então começo a refletir: Quando estou em dias, "normais", de trabalho e correria, me invadem sensações estranhas e profundas de distanciamento, recolhimento da alma e anulação do ser que se nega ao outro. Por fora, sorrisos, vozes, olhares, apertos de mãos; por dentro, no entanto, existe um quarto escuro com uma criança quieta e assustada. Essa terrível contradição me devora inteiro, machuca, pois estando exatamente de folga, "no silêncio", esse afastamento do núcleo social me expõe para uma multidão de quimeras habitando no calabouço dessa mente. Por isso a necessidade de me trancar, como já mencionei. Nesse quarto escuro sou essa criança acuada, os meus fantasmas estão do lado de fora batendo na porta.

     No quase absoluto silêncio de casa, reflito ainda sobre a minha vida, e de outros tantos como eu, que trabalham diretamente com o público, penso nas muitas situações que nos fazem sentir, assim, tão pequenos.

      Aliás, você, sim... Você me vê do outro lado do balcão, percebe o cansaço na minha fisionomia. Poucos balconistas para uma multidão de fregueses. Chega a sua vez de ser atendido, eu, com toda a gentileza e cortesia te atendo, te sirvo, escuto atento a cada palavra. Entre uma reclamação e outra da sua parte, desprende-se da minha face um tímido sorriso e um muito obrigado, enquanto você, na maioria das vezes sai sem nem agradecer.

      Aliás, você, sim... Você me vê estender a bandeja de trufas diante do vidro do carro, me vê com um sorriso no rosto. Você, de cara amarrada e olhar de fuzilamento, abre vidro pela metade. Eu, com toda a ternura te ofereço deliciosas trufas de vários sabores, o sinal continua fechado. O meu olhar te implorando para comprar apenas uma. A sua negativa me ofende, pois eu bem percebo que estás a mentir. " Não tenho nada agora". Você diz uma mentira com o olhar de uma verdade. A tua consciência, pesada, mostra na tela do pensamento todas as cédulas escondidas em sua carteira, mas você não cede." Deus abençoe moço". Eu respondo educadamente, olhando você bater em retirada na abertura do sinal. 

   O contrário também acontece.

   Você me vê do outro lado do balcão, sim, eu mesmo, lembra-se de todas as vezes que eu te atendi, das suas implicâncias. A minha fisionomia muda, o sorriso vai embora. Você se aproxima de mim, tentando ser educado, não quer repetir o que fez da última vez. O seu bom dia não é correspondido por mim, nenhuma expectativa é correspondida, aliás. Então você retorna chateado, com raiva, convencido de que o contrário seria melhor, promete para si mesmo que fará diferente da próxima vez, que dará o devido troco. Eu, ao vê-lo partir tão furioso, arrependo-me do trato áspero, prometo a mim mesmo que da próxima vez serei mais educado.

   Você me vê dentro do carro, sim, eu mesmo, lembro-me da última vez que você me ofereceu trufas e das minhas palavras mentirosas, da minha falta de educação, da minha negativa no olhar de mentira, da demora em abrir o vidro desconfiando. Então decidi comprar trufas, mas você finge que não me viu, mesmo ao sinal de meu aceno, você passa direto, atende o carro atrás, fingindo não me escutar. Eu prometo entre palavrões que da próxima vez serei ainda mais bruto quanto é possível ser, saindo cantando pneu ao abrir o sinal. Você, já na calçada, observando minha presa, a raiva, fica arrependido por não ter me atendido, você promete a si mesmo que da próxima vez será mais educado, e como pedido de desculpas, pensa até em me dar uma trufa a mais.

     E o dia segue o curso, entre céu cinza pesado e resquícios de azul desbotado. No quase absoluto silêncio de casa reflito: Essa crônica é sobre eu e você, no quanto poderíamos ser melhores quando somos piores.

      É sempre assim, quando nós iremos aprender?



domingo, 11 de setembro de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 



  DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA.


   Quarta-feira.

   Nuvens carregadas, chuva, frio, o som de trovões ao longe. O relógio na parede marcava nove horas em ponto, os ponteiros correm frenéticos nesta data tão importante de independência. É um marco histórico para todos nós brasileiros. Comemoramos duzentos anos da independência do Brasil.

   Quarta-feira, manhã.

   O celular despertou às seis horas em ponto, acordei não querendo levantar, a minha esposa também despertou ao primeiro toque do celular, enquanto eu permaneci debaixo dos cobertores, ela levantou de um só pulo, afinal, há muitas coisas importantes para serem feitas nessa primeira hora.

   Quarta-feira, manhã, feriado.

   Após levantar, agitadíssima por sinal, minha esposa começou na sua, 'correria', se é que posso dizer assim. Tomou um banho para ajudar a despertar, trocou-se, colocou a sua camisa verde amarela. Sem perca de tempo ganhou a cozinha e foi passar o café, nesse interin de coar essa bebida tão brasileira, tratou de arrumar a sua bolsa, colocou os lanches, água, suco, lenços verde amarelo, bandeira do Brasil. Tudo pronto. Levantei logo em seguida que o aroma do café ganhou o quarto, levantei trôpego, troquei de roupa lentamente, peguei carteira e chave do carro, fui para cozinha tomar o café junto com ela.

   Quarta-feira, manhã, feriado, Deus.

   "Que Deus abençoe nossa nação", eu disse a ela enquanto tomávamos o café, ela respondeu, "Amém". Minha filha levantou-se em seguida, mais dormindo do que acordada, comeu alguma coisa enquanto minha esposa fazia uma revisão em sua bolsa. Peguei a carteira, chave do carro, liguei o possante, deixei-o esquentando, carro a álcool é assim, logo em seguida partimos, primeiramente para outro bairro aqui da cidade, fomos até a casa de nossa pastora, já estava no portão nos esperando, camisa verde amarela, bandeira, bolsa. Partimos para o ponto de encontro, ao chegarmos, tudo lotado, ônibus, pessoas, polícia, pessoas do exército, movimentação grande, prontos para irem para Avenida Paulista, deixei a esposa e nossa pastora e voltei com minha filha para casa. Embora seja feriado, eu teria que trabalhar à tarde.

   Quarta-feira, manhã, feriado, Deus, Pátria.

   A nação vestiu-se de verde e amarelo, crianças, idosos, homens e mulheres, todos comemorando o bicentenário da independência do Brasil. Todos unidos em um mesmo ideal de liberdade, em uma sintonia de desejo pela renovação da paz interior. A avenida Paulista de uma ponta a outra estava congestionada, não de veículos, mas, de pessoas, de patriotas que ardendo de amor pela nação. Valendo ressaltar que o patriotismo não é uma bandeira política, e sim a identidade de todo um povo. A alegria na face das pessoas era contagiante, "disse minha esposa depois", misturada em meio ao mar de pessoas e bandeiras. A festa era verde, amarelo, do povo para o povo.

   Quarta-feira, manhã, feriado, Deus, Pátria, família.

   A multidão que tomou a Paulista não foi de desordeiros, nem de pessoas armadas querendo reivindicar alguma coisa, 'como haviam dito alguns'. Muito pelo contrário do que foi noticiado semanas e até mesmo meses anteriores, aquela multidão é a representação da alma do brasileiro, exercendo o seu livre arbítrio de comemorar e de escolher como comemorar. Não sei quantas pessoas estavam presentes, também não importa, era um mar de pessoas. Essa crônica não é a respeito de direita ou de esquerda, é sobre o Brasil, ordem e progresso para o futuro de todos, amor a bandeira, o renascimento do patriotismo. Independente do seu partido político, do seu livre direito de escolha, saiba que, somos uma nação forte, um gigante que despertou.

sábado, 3 de setembro de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 



    UM LIVRO DE TIRAR O FÔLEGO.


   A crônica de hoje será uma breve pincelada sobre um grandioso livro, dedicarei esse tempo para lhes mostrar a impressão que tive do respectivo livro, lido, por ocasião desses dias, achei que aspectos da trama são peculiares com tudo o que está sendo descortinado em nossos dias. A literatura é um importante instrumento de libertação, livros bons são mais do que janelas, tornam-se portas abertas para novos mundos.

   Sendo assim, passemos adiante.

   Terminei de ler 1984, do escritor norte americano, George Orwell, sem nenhuma dúvida, um belíssimo livro de tirar o fôlego,  terminei-o em uma semana eu acho, ou menos. Em outras ocasiões eu já havia lido George,  A revolução dos bichos, outro livro de tirar o fôlego. No entanto, 1984 estava na minha lista há tempos, somente agora que consegui lê -lo, confesso que estou arrependido de não tê-lo feito anteriormente.   

    A primeira impressão foi maravilhosa, já digo de antemão. 

    O livro é um romance distópico publicado em 1949,  ambientado na (anteriormente conhecida como Grã-Bretanha), agora, uma província do superestado da Oceania, em um mundo de guerra perpétua. Esse superestado está sob o controle da elite do Partido Interno, um governo que perseguem o individualismo e a liberdade de expressão como sendo "crime de pensamento", que é aplicado pela "Polícia do Pensamento".

   Winston é o protagonista do romance, no livro o mundo todo está dividido entre Eurásia, Lestonia e Oceania, países que, supostamente vivem em uma guerra sem fim. O foco narrativo é no protagonista, vivendo debaixo dos olhos do grande Irmão, presente em todas as partes controlando a vida de e a liberdade de todos. Winston é o responsável por falsificar notícias antigas, de revistas e jornais, modificando a história, já passada, conforme a vontade e as ideias do partido. 

   O narrador traz você para dentro da trama, de modo que não conseguimos parar de ler, é impossível não fazer comparações com o que estamos vivendo atualmente, a impressão que tive é de que o livro foi escrito nesse tempo e para essas coisas. Enfim, continuando, a única necessidade de Winston é de ter contato verdadeiro com as pessoas, vivências humanas melhores, autênticas, sem medo de expor as idéias e ser pego pela 'polícia do pensamento'. No livro, a sociedade é completamente dominada, nada e nem ninguém escapa dos olhos do grande irmão, olhos esses, não só presentes nas 'teletelas', bem como no olhar de cada cidadão, alienado ao sistema autoritário.

      O grande irmão "representa", mas, não é a perfeição, ele exige das pessoas a lealdade máxima, não pelo respeito que as pessoas deveriam ter, e sim pelo extremo medo de serem mortos ou mandados para o campo de trabalhos forçados. A dinâmica do trabalho de Winston acaba sendo um trabalho forçado e controlado sem nenhuma possibilidade de escolhas, a coisa toda tem de ser feita para que o passado seja desfeito, na sua própria cabeça e das sociedade como no todo.

       O grande irmão, no livro, representa não uma pessoa na qual está concentrado todo o poder, e sim, em um sistema totalmente controlador, pronto a esmagar quem o confronta e o contesta. Não vou dar mais detalhes do livro para não lhes tirar o prazer de descobrir saboreando cada página.

        Recomendo fortemente a leitura desse livro, e que cada um busque cada vez mais ler, ocupar a mente com coisas boas, alimentar o intelecto de informações saudáveis que lhe fará um cidadão melhor a cada dia.



   

domingo, 28 de agosto de 2022

ENTÃO FICO PENSANDO...

 



CRÔNICA DE DOMINGO.


   Então fico pensando...

   Afinal, o que está acontecendo com a nossa sociedade? Às pessoas não parecem as mesmas, tudo muda tão rapidamente que é quase impossível perceber o que de fato aconteceu. O mundo parece estar dividido em antes da pandemia e depois dela. Vejam que às atitudes mudaram, não como imaginávamos, porém, existe certa aspereza no trato de uns para com os outros.

    Quem esperou por pessoas mais humanas, depois de tantas perdas e sofrimento, decepcionou-se, ao que parece uma grande parcela do público adquiriu um egoísmo  próprio.

    Seria tudo intencional? 

    Às vezes fico pensando nessas coisas. Não sei exatamente o que pode verdadeira ter acontecido nos bastidores, imagino mil coisas, de erros humanos até mesmo vingança da natureza contra nós.

   Outro ponto delicado...

   Dois lados opostos, a representação do bem e do mal, do certo e do errado, enfim, todo cidadão é levado a uma escolha que deve ser óbvia para ele como sua única verdade absoluta. Observo que às análises de ambos os lados são ácidas, ferozes, por vezes, até agressivas. Um dos lados tende a representação oposta ao outro, quando na verdade, o outro é que reflete no oponente suas atrocidades. A política tornou-se  nisso, meus amigos, depois do inimigo microscópico, invisível, porém, letal, todas as coisas passaram a ter um significado novo. Contudo, vale salientar que ainda existe esperança, embora pareça improvável, é teoricamente possível eleger homens e mulheres de integridade inviolável.

   Outro detalhe crítico...

   Existem àqueles que se acham além do bem e do mal, justamente por terem o poder das leis e serem autoridades sobre os outros, com isso pensam que são intocáveis, acreditando na infalibilidade de seus juízos sobre os demais. Definitivamente não há equilíbrio em nenhuma das partes, nem consensos, tão pouco pontos em concordância. É praticamente impossível realizar um diálogo com esses grupos. Me pergunto quando tudo isso vai acabar, em qual instante da história, se é que haverá um momento de trégua e apertos de mãos, de trabalho em conjunto. Manter-se em silêncio em algumas das vezes é sinônimo de sabedoria, é necessário ouvir mais e falar menos, e não expôr ideias de qualquer maneira. Ainda sim, a presente crônica é a exposição de um profundo sentimento de dor, uma ideia ainda perdida no baú da memória.

   Outra coisa a refletir...

   No princípio havia o homem, a liberdade que o rodeava de delícias, porém, tendo de tudo, sentia-se só, então foi-lhe dado o osso de seus ossos e a carne da sua carne, para com essa dádiva maravilhosa se sentisse completo. No jardim de delícias, o homem duplicado no seu oposto, estava como todos os demais pares, na mesma igualdade, contudo, ele e ela tinham o domínio completo da criação e do jardim. O livre arbítrio, o direito de escolha foi um presente precioso, a única coisa que ele deveria fazer é escolher o certo diante de toda perfeição. Mas, assim como o primeiro homem que tendo o paraíso diante dos olhos escolheu a única coisa que lhe foi instruído a não obter, e foi justamente essa escola, o objeto da sua ruína. Não foi diferente durante o curso da história e nem será agora conosco. Ainda temos o livre arbítrio, não habitamos mais o paraíso, mesmo assim, as nossas escolhas poderá nos levar direto ao objeto completo da ruína.



domingo, 21 de agosto de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 

         


O DESAFIO É SEMPRE MAIOR.

   

   Eu não consigo ligar com certas situações que ocorrem no meu trabalho. Como, por exemplo, dizer que amo o que eu faço, eu não amo e nem vou amar o que eu faço, no máximo suportado até certo limite.

Lidar com o público é um desafio sempre maior, quem já o fez sabe bem como desgasta o psicológico ter que ficar o dia todo em um balcão de atendimento, sorrindo e agradando pessoas, algumas delas, desagradáveis. Essa é a minha realidade de todos os dias, e confesso estar no meu limite. Às vezes eu tenho vontade de chutar o balde, de jogar tudo para cima. Mas aí, a razão, contrária a emoção, aparece para salvar o dia e impedir que o coração cometa besteiras desnecessárias, é sempre assim.

   Existem momentos bons, confesso, não é sempre, porém, há dias calmos em que tudo transcorre normalmente. Pessoas educadas na fila de espera, ritmo de trabalho agradável. Não posso dizer que esse ou aquele dia é o melhor para se trabalhar, não há um padrão definido para traçar parâmetros ou fazer planos. Tudo vai depender do momento e circunstâncias. Algumas vezes a segunda-feira é tranquila, até demais, nos permitindo realizar tarefas muito além do esperado, o serviço rende maravilhosamente. Em outros momentos acontece o contrário, às coisas tendem a darem errado, o simples torna-se complexo, elencado a outros fatores igualmente desgastantes. 

   Esses últimos dias têm sido trabalhosos.

   Lidar com opiniões tão extremas sem poder opinar, afinal, é ano eleitoral, disputa presidencial acirrada. De um lado a direita conservadora, do outro a extrema esquerda com suas doutrinas contrárias às da situação.

   Dois tipos de ideias expostas no balcão, como o cliente tem sempre razão, o melhor é concordar com tudo mesmo quando não estamos de acordo com nada. Em todos os anos eleitorais que eu vivenciei, esse, certamente, esse, está sendo o mais intenso e disputado, tendo forças muito equivalentes de ambos os lados. Com uma divisão nunca antes vista entre os políticos, religiosos, profissionais e todo o resto. Essa queda de braço entre governo e estados acaba sobrando para os mais pobres, é sempre assim, a classe menos favorável paga a conta final. Dentro desse balaio de gato, com opiniões tão ácidas, eu prefiro ficar nulo, não dar a nenhum dos lados vez para discussões desnecessárias.

   A semana que passou foi uma daquelas horríveis, sem expectativas para nada. Eu não sei como explicar, de uns meses atrás para cá a coisa desandou de um jeito anormal, terrível e sem sentido. Nada do que fazemos ou tentamos fazer dá certo, incrível como os planos que elaboramos acabam em nada e lugar nenhum. O chefe faz um tremendo esforço para resolver a situação, porém, os seus esforços são inúteis. Tenho saudades de certos rostos, que outrora estava na frente de batalha, mas, por motivos de força maior teve que se ausentar do trabalho. Talvez eu esteja sendo saudosista demais, no entanto, devo dizer que senti falta do meu antigo emprego. Olha que não era dos melhores, mas, deixou certo resquícios de saudade.

     

domingo, 14 de agosto de 2022

Crônica de domingo.

    

   


PENSAMENTOS E IMAGINAÇÕES.


   Não posso continuar com esses pensamentos em minha cabeça, todos esses devaneios são prejudiciais, devo, e reconheço, reavaliar cada fagulha da minha insana mente trazendo-a para a luz. A princípio esse é o plano, no entanto, estou longe de conseguir obter sucesso. Por vezes tentei declinar de meus sórdidos pensamentos, desviando as imaginações em direções mais agradáveis ao caráter. De início funcionou bem, tendo relativo sucesso, no entanto, bastou uma fagulha contrária e tudo se pôs a perder, todo o meu trabalho se esvaiu como água entre os meus dedos. E lá fiquei novamente, perdido entre tantos pensamentos e imaginações imperfeitas, loucuras da minha, se é que posso denominar assim. Essas desventuras do inconsciente tornam-se visíveis ao quociente em frações de segundos.

   Às minhas conclusões primárias é de que devo estar ficando louco, nada menos do que isso, não me ocorre outra conclusão. Sou constantemente atacado por toda sorte de infortúnios mentais.

    Me recuso a acreditar na minha pessoa, sempre buscando esclarecer o que é óbvio demais. Imagino além do que se pode aos normais, tais imagens na tela da memória, por vezes, tão devastadoras.

   Durante semanas foi isso que aconteceu aqui dentro da cabeça deste que vos escreve. Criei um ponto de contato, uma faísca apenas de certas experiências que acontecem somente na minha cachola. Eu tentei lutar contra isso, extremo esforço para desvencilhar o cérebro de construir as imperfeições deste mundo irreal imaginário, por fim, fracassei. E lá estava esse filho da solidão desfrutando do fruto proibido oferecido por uma consciência degenerada.

   Essa noite tive toda sorte, ou falta dela, não sei ao certo, de pensamentos desalinhados ao caráter, não que sejam ruins, contudo, nada éticos com certeza, se é que me faço entender. Não sei mais o que fazer a respeito. Por esses dias eu tenho trabalhado em um projeto literário novo, um livro de ficção científica. Eu gosto do assunto, me interesso demais por tudo que desrespeito a ciência. Não é a primeira vez que escrevo sobre o assunto. Tempos atrás escrevi um conto por título, jornada no tempo, em que o personagem principal, vivendo no futuro, consegue viajar para o passado. Essa história foi postada no recanto das letras, tendo muitas visualizações, elogios e pedidos para que eu a continuasse. Somente agora que tomei o impulso necessário para voltar a escrever.

   Enquanto eu estiver na árdua tarefa de criar uma história fictícia, de certo modo estarei privando os meus pensamentos de um desalinho total, de vãs e desagradáveis imaginações.Eu sei que, haverá momentos em que a própria mente, completamente em desacordo com a consciência, haverá de me trair, então, quando menos esperar estarei viajando na tela imagética de idéias desfiguradas. É um terrível privilégio ter a capacidade de criar todo um cenário caótico que não existe na realidade com riqueza de detalhes. O poder do pensamento nessas questões delicadas é sem precedentes, de modo que não tenho como detê-lo. Não era bem o que eu pretendia escrever nessa crônica, essas idéias estão mais para um refluxo de pensamentos contrários do que qualquer outra coisa, mas, é o que saiu, sei que, daqui há pouco, estarei com estas mesmas quimeras me assombrando novamente.




domingo, 7 de agosto de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 


      ONDE ESTARÁ SEU ALCEBÍADES?


   Do lado de fora do balcão figuravam as mesmas pessoas de todas as manhãs, a maioria de idosos que aproveitavam a caminhada para passar no açougue e comprar mistura do almoço. 

É a rotina massacrante de todos os dias. 

    Alcebíades, funcionário do mercado há cinco anos, estava no seu limite, desejava largar o emprego, arranjar coisa melhor, porém, a idade não lhe favorecia, e, em tempos de pandemia muitas empresas estavam paradas, outras, ameaçavam fechar as portas. Logo no primeiro atendimento, reclamação, não fazia cinco minutos que o cliente estava esperando e disparou a falar e bater no balcão, disse que estava ali quase meia hora e ninguém o atendia e que era um absurdo ficar tanto tempo na fila. Alcebíades respirou fundo, contou mentalmente até às dez, colocou o melhor sorriso no rosto e foi atender o senhor, que continuou com a reclamar. Estava sem máscaras, não respeitou a distância mínima nem o isolamento, e mesmo sendo do grupo de risco, foi ao açougue comprar meio quilo de carne moída. 

   É a massacrante rotina de todos os dias.

   Brigar era besteira, a freguesia mesmo errada, sempre tinha razão. Por muitas vezes Alcebíades tentou argumentar, foi em vão, saiu por mal. Desistiu de explicar aos clientes mais idosos a necessidade de isolamento, seu chefe lhe deu uma bronca por isso. Dia após dia, hora após hora, cliente após cliente. A mesma coisa do mesmo jeito o dia inteiro e o tempo todo. Uma multidão de pessoas no mercado. Corredores lotados, crianças, idosos, pais, mães, famílias inteiras. O coração estava em tempo de explodir dentro do peito tamanha era sua revolta, a sua alma parecia querer voar para bem longe do corpo. Já eram quase três horas da tarde e Alcebíades ainda não havia almoçado, movimento frenético. Um dos colegas de trabalho, percebendo que o pessoal que havia entrado às oito da manhã já tinham retornado do almoço, e Alcebíades ainda figurava no balcão, questionou-o. 

  — Ô seu Alcebíades - disse o colega - Mas já não era para o senhor ter ido almoçar meu camarada? 

  — Sim. 

  — Que horas o senhor entrou? 

  — Nove. 

   — Sério!

   — Meu horário é às dez, mas pediram para entrar antes por causa do movimento… 

    — Caramba! Nove horas seu Alcebíades! 

     — Isso mesmo. 

     — E o senhor deve de estar morrendo de fome né.  

     — E como. 

      Repentinamente, o movimento que estava frenético ficou fora de controle. Clientes apressados, exigentes, carrinhos lotados. Atendeu mais dois, três, quatro, perdeu a conta de tantos, nada de almoço. O colega se incomodou e reclamou ao chefe, que só então foi dar conta que havia esquecido ao funcionário. 

     — Seu Alcebíades - disse o chefe dando-lhe um tapinha nas costas - O senhor não foi almoçar ainda? 

     — Não. 

     — Caramba… Me esqueci. Você pediu para algum outro líder para descer e ir almoçar? 

      — Não. 

      — Tá certo… Faz um favor então. 

      — Sim. 

      — Vai lá almoçar. 

      — Não precisa falar duas vezes chefe.

       — Só mais uma coisa seu Alcebíades, qual é sua idade? O senhor está no grupo de riscos? 

       — Faltam cinco meses para eu entrar no grupo de risco. 

       — Cinco meses seu Alcebíades ! Fazer o que, vai lá almoçar.    

       Alcebíades terminou de atender o último cliente, olhou no relógio, quatro da tarde, a barriga roncava. Saiu da frente do balcão, não conversou com ninguém, foi até o lugar onde se lavavam as botas e as luvas de aço. Higienizou-as, secou-as, saiu do setor a passos lentos, higienizou as mãos com álcool mais uma vez, máscara no rosto. O mercado estava lotado, embrenhou-se na multidão, pessoas sem máscaras, sem respeitar a distância mínima.

     Seu Alcebíades desapareceu na multidão.

     É a massacrante rotina de todos os dias.

     Duas horas depois e nada dele voltar, os colegas perguntavam. Só então o chefe percebeu que ele não havia voltado. Procurou Alcebíades em tudo enquanto foi de canto. Vestiário, banheiro, refeitório, outros setores, entornos da loja, dentro da loja, nada de encontrá-lo… Parou, pensou… Ligou no RH, perguntou para a secretária… Não fazia meia hora que ela viu Alcebíades passando por ali. Alguém disse que ele ia pedir demissão, mas o RH não estava atendendo ninguém por causa da pandemia. A secretária disse que não o viu mais, simplesmente desapareceu. Alcebíades nunca mais foi visto por nenhum dos colegas do mercado, nem os mais conhecidos, em nenhum outro lugar da cidade ou do bairro onde morava, do estado ou do país, do mundo, do planeta, da galáxia, aliás, simplesmente, desapareceu!

     Onde estará Alcebíades? 




CRÔNICA DE DOMINGO.

      UM PÁSSARO EM MINHA JANELA.     Um pássaro pousou em minha janela.     Quisera eu ter a paz e a tranquilidade da pequena ave que pouso...