domingo, 12 de junho de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 




O DESAFIO DE SORRIR QUANDO A VONTADE É DE CHORAR.

  

   Exaustivo trabalho de todos os dias, cansativa labuta diária, ter que sorrir para clientes, por vezes, ignorantes, ser cortês e educado com pessoas que não refletem igual tratamento. Às vezes, para não dizer em quase todos os momentos, tenho a vontade de chutar o balde, jogar tudo para o alto, abandonar o ambiente claustrofóbico, ( para mim pelo menos ), e sumir no mapa. Porém, ainda existe lá dentro do meu ser um senso de responsabilidade, onde a análise apurada e calculista racional da situação me permite sensatez, me impedindo de fazer qualquer besteira ou de tomar decisões da qual eu venha me arrepender depois. A vida de quem lida com o público não é nada fácil, como dito inicialmente, tenho que sorrir quando a vontade é de chorar. Certa vez me disseram que o sorriso de um palhaço não é reflexo de sua alegria, mas, de seu profundo desespero; pois é bem isso que sinto, desespero contrapondo a falsa alegria que meus lábios demonstram. Na maioria das vezes, quem está do lado de fora do balcão de atendimento notará uma alegria exagerada do lado de dentro, dirão uns para os outros, como são alegres esses aí. Pois bem, não se engane, alegria em excesso é loucura. Não é que somos excessivamente contentes, mas, abismos certo de insanidade.

   Lidar com o público é um desafio, há de se entender que o atende também será atendido em algum momento, por isso, assim como o balconista quer ser atendido ele também terá que fazê-lo com a sua clientela. A empatia tem que acontecer dos dois lados, pesos diferentes desequilibra a balança, não é saudável no atendimento partes que não se entendem. O cidadão do lado de dentro do balcão tem por obrigação oferecer o melhor serviço possível, e, em contrapartida, espera-se que a pessoa atendida seja no mínimo educada, e que tenha disponibilidade de diálogo, pois é com ele que se chega ao entendimento. Em cada lugar de trabalho existem as suas regras, cada ambiente, seja qual for o balcão, açougue, padaria, frios, enfim, existem algumas regras que o funcionário tem por obrigação seguir. Agora entenda, em face de tais ordenanças, existe o código de defesa do consumidor que, na maioria das vezes, conflita com as regras daquele ambiente, e o empregador nem se dá conta disso... É nesse momento que o diálogo é fundamental, com uma boa conversa é possível corrigir certos erros sem agredir nenhuma das partes. No entanto, seria muito bom se isso acontecesse de fato em harmonia.

Eu já falei em outras crônicas do meu ambiente de trabalho, 'balcão de açougue', o que eu acabei de relatar acontece sempre, eu conheço o código de defesa do consumidor, também conheço as regras de onde eu trabalho, sei que algumas dessas regras estão em conflito com o código, por isso, busco ser a ponte entre um e outro, com bom entendimento e diálogo entre as partes para que o cliente não seja lesado em seus direitos garantidos pelo código e nem o empregador fique com raiva por eu ter retrabalhado certa regra interna. Como disse anteriormente, nem sempre esse equilíbrio é possível, existem clientes 'ignorantes', que desprezam qualquer norma, desprezam a si mesmos, não são educados e machucam o próximo, assim como empregadores inflexíveis em suas regras. Mas, tenho que lidar com todos igualmente, sendo ou não agredido. Não é fácil sorrir quando se é xingado e maltratado. Caríssimos amigos leitores, a crônica deste domingo retrata apenas uma mínima parcela do que é o meu trabalho, com tempo, escreverei um pouco mais sobre o assunto.







domingo, 5 de junho de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.





 TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO.

   

   "Tenho em mim todos os sonhos do mundo", reza o verso de certo poema. Porém, eu acredito que os sonhos são ilusões transitórias, momentos em que a mente deseja relaxar fugindo da realidade. Geralmente, em especial quando estamos dormindo, a nossa mente se utiliza desse artifício para descansar a memória. No entanto, quando acordados, raramente sonhamos de olhos abertos, e quando o fazemos, a mente utiliza desse mecanismo como arma de tortura contra corações despercebidos. 

   Independente de como seja isso, tortura ou não, eu sonho e ouso sonhar até de olhos abertos, pois tenho em mim todos os sonhos do mundo, existe um prazer nesse tipo de flagelo psicológico, talvez o torturador não seja tão cruel assim. Uma vez que o mundo se tornou em horrendo monstro de crueldade sem limites, de dores infinitas e sem possibilidades de prazer.

   Às vezes eu passo bons minutos observando as pessoas, no que fazem, como andam, nos gestos da face, o tom de voz, o movimento das mãos, enfim. Eu sou o típico cara que fica de canto, sem dizer nada, sem interagir, apenas observando. Pessoalmente eu não gosto de interagir, prefiro o anonimato e a solidão, contudo, são esses os momentos em que toda a cena no meu campo de visão entra para dentro de mim. Tudo é recriado para dentro, do modo como a minha mente deseja, cada pessoa se transforma em personagens, eu as transformo e as refaço. Eu sei que isso parece loucura, e confesso que realmente é, mas, é um terrível privilégio, um sonhar de olhos abertos.

    A mente é um depósito de tudo, um campo de concentração das imagens e sons visualizados e capturados durante o dia. Ainda que não nos recordemos, esse filme está lá dentro. O inconsciente é a parte do depósito que fica sempre trancado, o acumulado vai prá lá, a superficialidade fica na sala menor, fora desse cofre, se é que posso chamá-lo assim. É o espaço da mente, em que detém a chave para entrar e sair quando bem se entende desse lugar maravilhoso, ou infernal a depender do que se acumulou.

      Ao se dizer: "tenho em mim todos os sonhos do mundo", significa que existe no interior de cada um o mesmo universo do exterior de todos nós. Cada mente faz o que quer e como bem entende na reconstrução do cosmo interno. Sei da minha parte, das insanidades que me cabem diariamente. O conceito científico de multiverso, universo paralelo, enfim, é real para este que vos escreve, a porta de entrada está no íntimo de cada ser humano da terra, tenha ele conhecimento ou não disso. Tudo está acontecendo nesse momento em que escrevo essa crônica.

     Ah! Caro leitor. Se você soubesse o que se passa nessa massa cinzenta, ficaria espantado. Aquele moço, a jovem que passou por mim, a conversa de amigos no bar da esquina, o senhor entregando refrigerante no supermercado, as pessoas que atendo diariamente, o brilho no olho de minha colega de trabalho, as palhaçadas do outro... Refaço o tempo todo o curso das coisas dentro de mim. No meu mundo particular amo quem eu quero sem medo ou preconceitos e nem normas impostas pela sociedade. No meu mundo eu sou a lei, eu sou tudo é tudo sou eu.

      Hoje pela manhã despertei com essa vontade de falar um pouco daquilo que se esconde dos meus olhos para dentro, onde habita alguém completamente desregulado, mas, dos olhos para fora, alguém centrado e conciso, quieto. A maluquice de dentro fica ao encargo da mente, em seus devaneios, nós personagens literários criados, em cada verso ou palavra escrita. Este que vos escreve, é apenas uma ponte dele para ele mesmo.

    


domingo, 29 de maio de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO.

 



                A ILUSÃO DO MELHOR.

   

   Trabalho, casa, descanso. É sempre nessa ordem, durante seis dias, período da tarde, das treze horas às vinte e duas e trinta. Uma folga por semana, na terça, a cada dois domingos trabalhados um de folga. Balcão de açougue é isso, cortar, arrumar, preparar, limpar, atender, e por aí vai. Parece fácil, interessante, até gostoso de se fazer, mas não é. O salário não é ruim, a empresa ( parece ) ótima, oferece alguns benefícios, ( por enquanto ) mantém bom plano de saúde, porém, o gerenciamento de todo o conjunto que isso representa é falho, não deveria de ser pelo nome que a empresa carrega, pelo contrário, antes de trabalhar ali imaginei que seria o exemplo de gestão e benefícios, pelo menos foi o que falavam, mas... Enfim, teve a ilusão de ser melhor em comparação ao antigo balcão de açougue.

    A minha rotina é simples, eu acordo cedo, às seis da manhã, a minha esposa também. São os compromissos impondo o ritmo, como a nossa filha estuda no período da manhã, esse é o horário que temos que deixar o melhor do sono e preparar o café dela, passar o uniforme, levá-la a escola. Dividimos a tarefa, o café e o lanche dela fica por conta da esposa, eu, me encarrego de passar o uniforme e de acompanhá-la até o portão da escola, que fica a cinco minutos de casa. Depois que retorno, dormimos um pouco mais, eu, precisamente até às oito e trinta, às vezes nove, para então dar cabo da outra parcela da rotina. Depois de levantar da pequena extensão do sono, após tomar o meu café, sigo com a ajuda nos afazeres domésticos até o horário de sair para o trabalho, que é exatamente às doze e quarenta, tenho que entrar às três em ponto, portanto, o meu local de trabalho é perto. O tempo que tenho em casa disponível até o horário de sair é curto, pode parecer que não, pois digo que é como uma sombra que passa e nem percebo, se durante o café eu me distrair nas redes sociais, complica todo o resto.

   Já no local de trabalho, coloco o uniforme, pego minha luva de aço, touca branca na cabeça, e vou para o relógio de ponto registrar a entrada. No local de trabalho, cumprimento os colegas do turno da manhã, três ou quatro dependendo do dia. Eu e mais dois entramos, ou somente mais um comigo, também vai depender do dia, rendemos os amigos para o almoço. Temos exatamente duas horas até eles retornarem. Nessas apertadas duas horas, temos que dar conta de repor todo o balcão, que é enorme por sinal, controlar o fluxo de atendimento, fazer produção de bandejas, quando possível, limpar a bagunça deixada por eles, e alguns outros afazeres. Duas horas depois eles retornam e nós saímos para o intervalo também de duas horas. Quando voltamos, eles que entraram às seis e sete e meia, vão embora lá pelas dezessete e trinta da tarde e ou dezoito. Nós seguimos o curso do turno até o fechamento. E novamente toda a sistemática da rotina se repete. Repor o balcão, fluxo de atendimento, que é sempre maior da tarde para noite. Ou seja, é muito trabalho para poucos funcionários, seria necessário mais dois em cada turno para ficar em equilíbrio, no mínimo, mas, como eu disse no início. Problemas de gestão e falta de vontade dos mandatários maiores.

    Por isso as minhas rotinas não divergem muito, é a mesma coisa de todos os dias, com picos frequentes para pioras. Basicamente é isso amigo leitor. Nas próximas crônicas relatarei pormenores do dia a dia em si, os desafios que enfrento na minha interminável e exaustiva labuta diária.

   




domingo, 22 de maio de 2022

CRÔNICA

 



       ROTINAS INTERMINÁVEIS.


   Intensa semana em que o tudo representa o nada, a totalidade das coisas são enfado e cansaço. A rotina de todos os dias impõe o seu fardo pensado em ombros desnudos e machucados. Não há o que se fazer a respeito, é praticamente impossível mudar algumas realidades. Os dias se amontoando, afazeres que se repetem, dificuldades cada vez maiores, dúvidas intermináveis, o mundo gira em uma velocidade assombrosa. Não temos tempo suficiente para raciocinar, por fim, tomamos decisões erradas, caminhamos por estradas tortuosas, impiedoso, o tempo não permite retorno para determinados acontecimentos. Os ombros desnudos e já calejados, sangra um pouco mais, gotejando por onde passamos.

     A minha rotina é odiosa, sempre a mesma coisa, todos os dias e o ano inteiro. Os únicos momentos diferentes e agradáveis são os que passo com a minha esposa e filha, ainda sim, o monstro dos afazeres diários engole fatias generosas de nossos momentos. Uma pequena fração em escassos minutos, dedico a literatura, outra paixão. Mesmo a literatura sendo dividida entre escrita e leitura, não é nada do que eu pretendia, porém, a vida tem o seu preço a cada alma. Por isso, me submeto à condição humana da interminável labuta diária.

       Mesmo com os ponteiros do relógio correndo apertados, encontro "tempo" para minhas leituras, e quando posso divido com vocês leitores, algumas impressões dos livros que li, como o que vou mostrar agora. O livro, ( Cavalo de tróia, lido não tão recentemente ), do autor, J.J. Benitez, narra uma incrível aventura, e como eu gostaria de ser o protagonista dessa aventura, se é que posso chamá-la assim. O livro, neste primeiro volume, fala de uma operação secreta da força aérea americana que, ao descobrir um modelo seguro de viagem no tempo, cria, em 1973, uma operação, denominada cavalo de tróia, para acompanhar os últimos dias de Jesus Cristo na terra. A parte inicial deste primeiro volume, é contada pelo próprio J.J. Benitez, onde ele descreve como conseguiu se encontrar com o major americano e conseguiu os seus diários pessoais, de onde origina-se o conteúdo do livro. No decurso desse calhamaço, temos a narrativa de Jasão, codinome do major, que volta no tempo, no modelo de uma, por assim dizer, nave, chamada de 'berço'. E junto com seu colega, Eliseu, ambos voltaram a época de Jesus Cristo,  presenciando os fatos mais marcantes de sua vida. Jasão, foi escolhido para a missão devido ao seu ceticismo e imparcialidade, mas ao encontrar-se com Jesus, é tocado profundamente por sua mensagem. O livro nos fornece dados da sociedade da época: seus costumes, as leis, crenças, ( judaicas e pagãs, bem como geografia e ambiente). A narrativa refere-se, na sua grande maioria, à vida do mestre, narrativa essa, que contrapõe em partes com o que foi descrito pelos evangelistas no livro sagrado, não desmentindo o que os evangelistas escreveram, mas, apontando para dados deixados de lado pelos mesmos. O livro, na visão do major, fala de uma mensagem deixada por Cristo, falando do pai - sempre bom - Um Deus que não requer templos e rituais, mas o amor ao próximo. Quanto à veracidade dos fatos no livro, fica a critério de cada leitor - segundo o próprio autor - a história é real, no entanto, real ou não, é sem dúvidas um livro extraordinário.

    É nesse tipo de leitura, caro leitor, que me desligo da dor do mundo, das aflições diárias, das dores na alma. Quando estou lendo me transfiro para a história contada, vivo aquilo como se fosse real. É assim que suporto as dores da existência desse tempo tenebroso a qual vivemos. Considere a possibilidade de tais aventuras.





domingo, 15 de maio de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO

 



      O TEMPO É UMA SOMBRA QUE PASSA.


 

   Estamos em Maio, daqui a pouco tempo será junho, metade do ano, os dias estão passando tão rápido quanto uma sombra no final de tarde. A impressão que tenho é de que o Natal foi semana passada, pisquei o olho e se passaram quase cinco meses. Não sei quanto aos leitores, eu fico com essa sensação de não ter aproveitado nada, e de não ter feito o que queria. Antigamente não era assim, tudo parecia passar tão devagar, as datas comemorativas demoravam uma eternidade para chegar, e quando se aproximavam pareciam tão mais interessantes, bonitas, havia mais expectativas nas comemorações festivas. Era como se houvesse uma áurea diferente cobrindo cada uma, porém, os tempos são outros caros amigos, as pessoas mudaram, a verdade é que não existe a mesma importância nas comemorações e vivências humanas.

    Eu gosto de observar as pessoas, é uma particularidade minha, gosto de observar os seus comportamentos, conversações, a interação com outras pessoas, veja que até isso mudou. Não que antigamente fosse tão diferente assim, negativo, havia os mesmos desinteresses, o que eu quero dizer é a respeito do quanto de importância cada situação ou data tinha na vida pessoal de cada um. Na minha época valorizava-se o ser do que o ter... Às vezes não tínhamos nada, apenas o básico, contudo, éramos felizes com o pouco que tínhamos, cultivando as melhores amizades do mundo era mais ser do que ter. Parte disso desrespeito a tecnologia, que na época era apenas um bebê engatinhando, estava à espreita, na sua inocência inicialmente, esperando pacientemente pelos seus futuros escravos. Não tínhamos a mínima ideia do que se tornaria o que para nós era tão irreal até inverossímil. Havia um mundo escondido por trás de grandes mentes, um mundo enigmático, digital, de tecnologias enclausuradas de almas no casulo de impossibilidades.

    Basta observar as pessoas de hoje, sejam no supermercado, praça pública, igreja, enfim, não importa o lugar, a situação será sempre a mesma para todos, ou quase todos... A tecnologia está na ponta dos dedos e tomou conta do mundo, dominou as casas, lojas, empresas, shopping, não existe um lugar na terra que não esteja debaixo do império digital. Antigamente, era olho no olho, diálogos, vistas, convívio contínuo social. Hoje, basta um celular e internet para estar em qualquer lugar do planeta. Mensagens, chamadas de vídeo, o universo na palma das mãos. Até mesmo os computadores estão ficando para trás, os celulares de hoje são mais interessantes e versáteis. Vejam as crianças brincando... Antigamente era tudo dinâmico, correr, pegar, soltar pipa, esconder, enfim, a tecnologia transformou crianças espertas em sedentárias. Os jogos virtuais simulam a realidade com uma precisão assombrosa. Jogos de futebol, lutas, estratégias, guerra e por aí vai. 

   É impressionante a diversidade de opções.

   Todo esse salto tecnológico encurtou o tempo, não o vemos passar, as horas que gastamos em coisas superficiais são enormes e não voltam atrás, e o mais impressionante é que as tendo diante dos olhos não há vemos passar. Os ponteiros do relógio roubam nossos dias sem o notarmos, as horas são traiçoeiras, e a tirania do relógio impõe o seu domínio. Sim amigos leitores... Estamos em Maio, logo mais, quando piscarmos os olhos, enquanto estivermos distraídos nas redes sociais, já será natal.



domingo, 8 de maio de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO

 



              LITERATURA A CONTA GOTAS.


    

    Última semana antes da primeira audiência judicial - em cinco anos - isso mesmo, cinco longos e intermináveis anos, que, pareceu-me uma eternidade. Do meu desligamento da empresa até a data dessa primeira audiência de instrução muitas coisas aconteceram. Só relembrando, a empresa em que trabalhei por quinze anos, companhia brasileira de alumínio, que tinha por dono o saudoso doutor Antônio Ermírio de Moraes, já falecido, é uma empresa metalúrgica no ramo do Alumínio. A maior do mundo no sistema integrado, onde se recebe a Bauxita, matéria prima, e passa por todos os processos até se transformar no produto final.

   Ser desligado da empresa foi um tremendo choque para mim, eu havia passado por um procedimento cirúrgico um ano e três meses antes da demissão, enquanto ainda na empresa, fui realocado de setor e função para readaptação, por isso, eu não imaginava que seria demitido, porém, isso aconteceu e me pegou de surpresa, aliás, todos os meus conhecidos quando souberam ficaram de admirados e sem entender. Eu sabia que conseguir um novo emprego em uma fábrica seria praticamente impossível devido às minhas limitações. Naquele momento senti como se tivessem aberto um buraco debaixo de meus pés. Eu tive medo, angústia, incertezas, tudo escondido dentro de mim.

   Durante quase dois anos fiquei sem trabalhar, vivendo dos valores recebidos da indenização - esse foi o pior erro da minha vida - nesse período fiz reformas na casa onde estou morando, casa essa que nem é minha de fato - outro erro imperdoável - percebendo que os meus recursos estavam acabando, a minha esposa começou a fazer pães, bolos e doces para vender; e deu certo por um tempo. Foi então que veio outra tempestade... Ele descobriu que tinha doença mista do tecido conjuntivo, fenômeno de Reno, enfim, isso a limitava muito. Foi então que tomei forças onde não tinha e resolvi me arriscar trabalhar no mercado, exercendo meu antigo ofício de açougueiro. Consegui uma colocação em um determinado mercado, mesmo limitado devido aos problemas de coluna, com dificuldade fui me adaptando. Por três anos trabalhei nesse primeiro mercado, surgiu a oportunidade de entrar em outro supermercado, esse cinco minutos de casa, não pensei duas vezes. Estou nesse novo emprego há quase um ano, as dificuldades que encontrei aqui foram tão ou mais desafiadoras do que no primeiro mercado. Sem ter muitas opções, tenho que suportar a rotina massacrante, é questão de sobrevivência, no entanto, recentemente, depois de realizar novos exames na coluna descobri que a minha doença, 'degenerativa', progrediu, tanto que, está afetando fortemente o meu desempenho. 

    Confesso, estou cansado de trabalhar com o público, em mercado, é muito estressante. Voltar em uma empresa com todos os agravantes que carrego é quase impossível. Aquela primeira empresa em que eu trabalhei, na qual tenho um processo trabalhista em andamento. Espero que dê resultados positivos nessa 'primeira audiência', embora, minhas esperanças para tal sejam pífias. Os meus dias são assim, corridos e cansativos, mesmo com toda essa loucura encontro tempo para escrever. Não é nada perto do que realmente eu quero, por isso tenho que aproveitar ao máximo no pouco tempo que tenho disponível para dar vida ao mundo que existe aqui dentro de mim. Talvez um dia, quem sabe, eu possa viver única e exclusivamente para a escrita e nada mais. Por enquanto, minha literatura é a conta gotas.

domingo, 1 de maio de 2022

CRÔNICA DE DOMINGO

 



                       FORTE BASTIANI.


Ainda sem um assunto definido para a crônica, comecei a pensar nos livros que eu tenho em casa, em cada título, em seus personagens e tramas. O momento que estou vivendo agora, por exemplo, em casa e no trabalho, me fez pensar em um título, que surgiu agora na memória, portanto, me sinto no próprio, "Deserto dos Tártaros", escrito por Dino Buzzati Traverso (San Pellegrino di Belluno, 16 de outubro, 1906 — Milão, 28 de janeiro, 1972). Quero falar um pouco desse belíssimo livro e do autor no espaço da crônica deste domingo.

Dino Buzzati foi um escritor italiano, bem como jornalista do Corriere della Sera. Sua fama mundial se deve principalmente ao seu romance - Deserto dei Tartari, de 1940, traduzido para português como O Deserto dos Tártaros. Dino Buzzati detém um estilo inconfundível,( que particularmente eu amo ) que não obedece a modas e etiquetas, explorando sempre uma visão fantástica e absurda do real. A sua obra está traduzida em inglês, francês, alemão e espanhol e difundida largamente em todo o mundo.

O escritor serviu ao exército e saiu como sargento. Essa experiência serviu para que escrevesse essa obra-prima antes da Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor, o romance veio num jorro, numa madrugada quando voltava do jornal para casa. A ideia aconteceu na monotonia do turno da noite, quando trabalhava no Corriere della Sera, naqueles dias. A sensação da rotina que nunca acabava e consumia a vida do autor fez com que o romance acontecesse rapidamente. ( Quem nunca se viu engolido pela exaustiva rotina do trabalho... Eu que o diga ... )

A narrativa nos apresenta Giovanni Drogo, jovem tenente enviado ao forte Bastiani localizado em uma colina totalmente isolada do mundo, onde o Forte é erguido. Um grande deserto, absolutamente isolado de tudo e de todos. A princípio, Drogo nutre grandes expectativas quanto a nova função, pensando no esplendor da carreira, pronto a defender o forte. ( Todos nós temos o nosso forte Bastiani, onde nos isolamos das loucuras deste mundo ).

Quando Drogo chega no forte, admirado com suas muralhas e sentinelas, cheio de sonhos, o tenente Giovanni Drogo anseia pela glória militar no campo de batalha, e isso nunca aconteceu no Forte Bastiani. Apesar de alguns oficiais de idade tentaram animá-lo dizendo que os tártaros ainda estão lá se preparando para a guerra, e que a melhor atitude é esperar, esperar e esperar. Drogo encontra senão um lugar praticamente abandonado, parado. O tenente se vê frustrado, fadado ao esquecimento em um forte onde nada acontece. Entregue a solidão, a monotonia, em uma rotina que nunca termina, Drogo perde-se no tempo, sempre esperando que a qualquer momento o forte seja atacado, porém, o ataque nunca acontece.

Esse é um romance filosófico, que fala do tempo, de tudo que perdemos e deixamos de fazer quando somos acorrentados pela rotina contínua de afazeres que desbotam o viço da juventude. Se o romance perde em ação ganha em momentos de reflexão sobre a vida, o que parece familiar para quem já parou para pensar se nós estamos fazendo o melhor uso do tempo que temos na terra. Quem já não se sentiu como o próprio Drogo. Às vezes me vejo como ele, entregue ao meu forte Bastiani, fadado ao esquecimento, diante de almas mortas e olhos cegos. O autor tem uma narrativa fantástica. Esse é aquele livro que ao iniciar a leitura, não dá vontade de parar.

Acredito que todos nós, em algum momento de nossas vidas, temos experiências e sensações muito semelhantes a do personagem, todos somos Drogo em sua agonia existencial preso a rotina de um momento que aparentemente, parece não ter mais fim. Para aqueles que não leram, recomendo fortemente o livro.



CRÔNICA DE DOMINGO.

      UM PÁSSARO EM MINHA JANELA.     Um pássaro pousou em minha janela.     Quisera eu ter a paz e a tranquilidade da pequena ave que pouso...